domingo, 12 de abril de 2009

Paulo Coelho


Do mistério dos reencontros
Postado por Paulo Coelho em 12 de abril de 2009 às 03:50
Vinicius de Moraes diz em uma de suas músicas: “a vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela vida”.

No final do ano passado, recebi um e-mail de um importante e famoso jornalista brasileiro, que me contou uma história. Perguntei-lhe se poderia reproduzir suas palavras nesta coluna, ele me deu permissão, mas concordamos em manter seu anonimato. Por causa disso, quaisquer dados seus estão suprimidos.

“Tenho em casa uma parede imantada, feita com uma tinta especial que tem a propriedade de funcionar como um ímã. Coloquei ali muitas fotos, presas com pequenos ímãs.

“Um domingo estava na sala com minha mulher – com quem sou casado há quatro anos – e resolvi contar um sonho que tivera na noite anterior com meu tio Luiz, morto em 1981.

“Não tinha me referido a ele antes, embora tivesse um papel importante em minha vida. Meu pai, sírio, trabalhava como um louco, e eu pouco o via, pois ele saía às seis da manhã e chegava às dez da noite. Tio Luiz, irmão de minha mãe, ambos filhos de meu avô (também sírio), vivia lá em casa. Tinha uma visão diferente da vida, nunca tendo se acostumado à rotina de um trabalho normal – e meu pai custava a aceitar um filho de sírio que não trabalhasse duro. Mas eu, ainda criança, não entendia direito a situação e me acostumara com sua presença, adorando a sua companhia”.

“Em 1981, meu tio morreu de maneira trágica. Todos sofreram muito, e a família acabou se dispersando. Nos anos que se seguiram, continuei me relacionando apenas com um de meus primos, o Ahmad. Tornei-me jornalista e fui trabalhar em uma importante revista. Mas num belo dia decidi largar tudo e correr o mundo. Passei seis meses fora, depois voltei para trabalhar em um jornal. Quando quis entrar em contato com Ahmad, não consegui mais encontrá-lo”.

“Desde 1989 estava sem notícias dele. Naquele domingo do final de 2003, conversando com minha mulher, lembrei-me de um sonho que tivera na noite anterior, onde via meu tio e meu primo Ahmad. Foi então que lhe contei pela primeira vez essa história, e disse que colocaria uma foto de meu tio na parede imantada. Escolhi um instantâneo onde aparece segurando uma garrafa de refrigerante. Minha mulher, que nada conhecia dessa história, concordou”.

“Na terça-feira seguinte, estava em minha sala – agora trabalhava em televisão – quando a secretária disse que um homem chamado Ahmad estava na linha, dizendo-se meu primo. Como meu nome aparece freqüentemente nos créditos de determinados programas, estou acostumado a receber telefonemas de árabes de todo o Brasil, que se consideram meus primos, orgulhosos de terem um ‘patrício’ em cargo tão importante. Sempre os atendo bem, mas naquele dia, muito atarefado, pedi a ela para dizer que eu estava ocupado.

“Ele voltou a ligar: a pessoa insistia em afirmar que era meu primo. Eu, impaciente, e sem supor quem fosse, insisti: todos os meus parentes estavam na Síria, não tinha mais ninguém aqui, somente meu pai, minha mãe e três irmãos”.

“Foi então que minha secretária disse que a pessoa se identificava como Ahmad, filho de Luiz, neto de Mohamed e Maria.

“Fiquei gelado. Atendi ao telefone, não contive a emoção e chorei, porque me lembrei imediatamente do sonho com meu tio e da conversa com minha mulher, há dois dias antes.

“Ahmad disse que sempre vira meu nome nos créditos de certos programas, mas nunca quis entrar em contato, até mesmo porque temia que eu não fosse o seu primo. Mas uma reportagem de televisão naquele domingo (justamente o dia que eu conversava com minha mulher sobre ele e sua família) exibiu uma longa matéria sobre um hospital caindo aos pedaços no subúrbio do Rio de Janeiro. A matéria teve grande repercussão, motivando outros telejornais a dar continuidade ao tema. Ao ver, na rua, um jornalista da TV onde trabalho, Ahmad pediu meu telefone, e nos reencontramos depois de 14 anos”.

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