segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Plantão ilegal é crime



Um emprego que oferece autonomia para a tomada de decisões e uma boa renda no fim do mês. Uma oportunidade e tanto para os alunos de medicina. Mas é crime. O plantão ilegal, como é chamada a prática de assumir o lugar de um médico realizando atividades exclusivas da profissão sem supervisão, atrai universitários movidos pelo desafio de exercer o trabalho com independência e pela chance de receber salários incompatíveis com a realidade de qualquer estudante. Segundo o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, a média paga ilegalmente aos universitários é de R$ 800 por plantão de 24 horas. Mas há quem receba R$ 7 mil em um mês. E, assim, consiga comprar até carros. Porém, ao substituírem médicos, os estudantes praticam dois tipos de crimes: exercício ilegal da medicina e falsidade ideológica.

Nos últimos dois anos, o Cremepe tomou conhecimento de cerca de 10 casos de estudantes que assumiam ilegalmente plantões no lugar de médicos. Seis apenas neste ano. Nos últimos cinco anos, 43 casos de exercício ilegal da medicina, envolvendo não só universitários, foram flagrados pelo conselho. No estado, há 2.645 alunos de medicina, em quatro instituições. Nas universidades, todos sabem, mas poucos falam. E, quando falam, raramente aceitam se identificar. Segundo os estudantes, os plantões ilegais, em geral, são assumidos em cidades do interior. As menores e mais distantes da capital são mais atrativas e difícilmente um estudante é pego. E a população, normalmente, não desconfia ou não denuncia.

Escondido sobre o pseudônimo de João, um médico recém-formado que deu plantão ilegal no último período da faculdade, aceitou contar sua história ao Diario. O caso ocorreu em um pequeno município da Zona da Mata pernambucana. João atuou sozinho na emergência de um hospital, sob a conivência do diretor da unidade, que ficava na cidade, de "sobreaviso" caso acontecesse algum problema. Como o hospital é de pequeno porte, o estudante atendia os casos de menor complexidade e transferia os mais graves, como as vítimas de acidentes de trânsito. Um dia João foi desmascarado.

"A transferência é o nó cego. É aí que todo mundo treme", disse. Na hora de transferir, é preciso informar à central que faz a regulação dos leitos o número do CRM, que só os médicos possuem. Esse registro segue uma ordem numérica, o que permite identificar se foi concedido há pouco ou há muito tempo. Quando informa a numeração, o estudante está assumindo a identidade de um médico, no caso de João, do próprio diretor da unidade, que forneceu o CRM. "Uma vez fui fazer uma transferência e o cara percebeu que eu estava usando um CRM antigo e tinha a voz jovem. Ele me deu uma lição e liberou a senha para a transferência porque o paciente estava grave", contou. Mas foi só o susto. João não sofreu punição, comprou um carro financiado com dinheiro do plantão ilegal e, já formado, continuou trabalhando lá.

Segundo ele, em média, o estudante ganha em torno de R$ 3 mil por mês exercendo a profissão de médico. "Normalmente, os universitários fazem isso a partir do 5º ano do curso. Mas já vi casos até de 4º período (2º ano). Minha turma tinha entre 70 e 80 alunos. Praticamente toda a turma dava plantão (ilegalmente) ou algum dia já deu", disse. O curso de medicina tem duração de seis anos. "Além de prejudicar a formação do aluno, o plantão ilegal não faz parte da formação acadêmica, não é vantagem do ponto de vista ético e ainda prejudica o atendimento à população", disse a vice-presidente do Cremepe, Helena Carneiro Leão.

Segundo o secretário de Controle Externo em Pernambuco do Tribunal de Contas da União, Evaldo José, como o Sistema Único de Saúde é tripartite (recursos da união, do estado e no município), a fiscalização de casos desse tipo é compartilhada. Ela pode ser feita pelo TCU, pelo Tribunal de Contas do Estado, pelo Departamento de Auditoria do SUS (Denasus) e pela Controladoria Geral da União (CGU).

Para atuar...

- Lei 3.268, de 1957 diz que a medicina deve ser exercida por profissional habilitado e legalmente inscrito no conselho de medicina de seu estado

- Resolução do Conselho Federal de Medicina de n° 663, de 1975, diz que os estudantes de medicina não estão aptos, ainda que nos últimos períodos da faculdade, a exercer a medicina sem a supervisão de um profissional médico

- O artigo 38 do Código de Ética Médica prevê que os responsáveis técnicos e gestores médicos que contratam estudantes para exercer a função de médico, incorrem em infração ao "acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a medicina"

O Código Penal Brasileiro prevê como crime:

- Artigo 282 - exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites

- Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único - se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa. Para o crime de falsidade ideológica é prevista reclusão de um a cinco anos

Posição oficial do Cremepe sobre o exercício da medicina antes da formatura:

- Não traz aprendizado nem conhecimentos novos

- Prejudica a formação do raciocínio clínico

- Contamina o olhar do estudante com preconceitos e práticas de duvidoso valor ético

- Prejudica os pacientes, aumentando as possibilidades de morte e complicações

- Ameaça o emprego futuro do estudante, desempregando os médicos de hoje

Denúncias podem ser feitas pelo 2123.5777 ou a uma delegacia

Fonte: Cremepe

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