domingo, 14 de dezembro de 2008

“Serra é um cara sem coração, que só tem apetite”Entrevista: Ciro Gomes "Deputado Federal (PSB)"

ARTHUR CUNHA
Ciro Gomes (PSB) chegou ao seminário nacional do PSB - na última quinta-feira, em um hotel do Recife - por volta das 14h30, junto com um grupo de outros políticos da legenda, meio incógnito, para palestrar sobre a crise econômica mundial. Na entrevista que concedeu, não fugiu ao seu estilo. Em tom ácido, criticou de tudo - em pouco mais de 20 minutos -, do capitalismo à Imprensa sulista, passando pelo funcionamento da Câmara Federal. O ataque mais voraz, entretanto, teve nome, sobrenome e circunstância política: o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que pode disputar com o próprio Ciro a Presidência da República, em 2010. “O Serra é um cara sem fígado nem coração, que só tem apetite”, disparou.
Qual o nome que tem a preferência do bloco formado pelo PSB, PCdoB, PDT e PRB para disputar a Presidência da Câmara Federal?
Têm que ter candidaturas que se materializem. Hoje, o que tem é a candidatura anunciada do Michel Temer (PMDB-SP), contra quem pessoalmente eu não tenho nada. É uma pessoa boa etc... Mas representa esse conservadorismo que tomou conta da coalizão política do Congresso, em especialmente na Câmara. Tem o Ciro Nogueira, do PP, que tem uma grande trajetória, também muito respeitado e querido. (Neste momento um repórter pergunta se Ciro Nogueira seria um Severino Cavalcanti melhorado). Eu não aceito isso. Se o Ciro Nogueira tivesse suspeita sobre uma propriedade, como foi comprada, se foi objeto de investigação por grilagem, ele não sairia das primeiras páginas dos jornais. E essa é uma insinuação que se fez rapidamente lá atrás contra o Michel Temer, percebe? A gente tem que tomar muito cuidado com essas coisas. O Ciro tem tantos defeitos e virtudes quanto qualquer um de nós. Não há nada contra ele. Como é que você vai dizer assim: “é o novo Severino Cavalcanti”?! Eu já vivi esse filme. Diziam que eu era o novo (ex-presidente Fernando) Collor. Não estavam querendo dizer nada que eu pudesse processar alguém. Pegavam o estereótipo, jovem - naquela época -, nordestino e tal. Mas a insinuação era maliciosa, canalha, para me fazer parecer um corrupto. O filtro da grande Imprensa do sul e sudeste é bastante vesgo, em todos os assuntos. Temos o Aldo Rebelo (PCdoB) que é cogitado, já presidiu a Câmara, e é muito querido. Tem o companheiro da bancada de São Paulo, da bancada do PR, agora me deu um branco. Que começou a campanha recentemente lá...
Qual candidato o PSB apoiará?
Nós vamos amadurecer a idéia. Será uma das coisas que vamos conversar nesse encontro aqui. Pegaremos a orientação de Eduardo Campos, que é nosso líder, nosso presidente. Nossa inclinação natural, em havendo candidato do bloco, é votar nele (Aldo Rebelo).
Esse bloco de esquerda que teve um crescimento expressivo nessa eleição...
Não fosse essa lente vesga (com que a Imprensa analisa o cenário político nacional), seríamos os maiores vitoriosos, pelos números. (Dados do próprio PSB indicam que o partido cresceu em 78% o número de prefeitos eleitos no País - ao todo, foram eleitos 319 -, além de ter dobrado a quantidade de vereadores nas Câmaras municipais ).
Quais são os planos do bloco para 2010?
Nós temos várias etapas a serem realizadas. Uma coisa é você fazer essa avaliação numérica, outra é ver se isso tem cimento político. Eu vejo que tem muito. Mas acho que, do ponto de vista organizacional, está desbaratado. Então, a grande tarefa será “recosturar” a lógica de um bloco de esquerda, que não pode ser só um ajuntamento de ocasião. Temos que pensar o País, ver qual a melhor forma de exercitar nossa vocação natural: apoiar o Governo Lula. Mas, ao mesmo tempo, se apresenta para nós uma tarefa muito delicada de ser desenvolvida, que é tencionar essa gigantesca - de alhos com bugalhos - aliança que sustenta o Governo Lula, numa direção de afirmar uma hegemonia mais próxima daquilo que nós pensamos, seja do ponto de vista ideológico, programático do futuro do Pais, e do ponto de vista ético.
O saldo das eleições deste ano favorece o PSB para 2010?
O partido está muito bem. Pode fazer escolhas, na minha opinião. Mas isso não cairá do céu porque nós também temos problemas organizacionais.
Quais seriam, hoje, os nomes que melhor representariam o partido na corrida presidencial?
Time que não joga não forma torcida. (...) Os apologistas do Estado mínimo (neoliberais), os denunciadores de dedo duro da necessidade de se reduzir o Estado, todos estão agora de pires na mão pedindo o dinheiro que se negou a vida inteira para enfrentar os dramas de meio-ambiente, miséria, violência e injustiças que a humanidade tem. De repente trilhões, trilhões e trilhões aparecem para socorrer a nata da sociedade humana, que especulou, botou no bolso quando ganhou e agora está socializando globalmente seus prejuízos. Nós (do PSB) temos uma certa autoridade moral (para criticar esse processo), sem arrogância nenhuma. Não é trivial essa questão, nem simples de se sair. A partir do que nós representamos enquanto partido, como portadores de uma bandeira que está meio pálida. O socialismo democrático é um valor que está mais contemporâneo, em minha opinião, do que nunca. Mas (a bandeira do socialismo) está muito pálida nesses últimos 20 anos de hegemonia esmagadora da perversão neoliberal.
Pragmaticamente, o senhor seria um nome para disputar a Presidência da República?
Ninguém é candidato de si próprio. Nós temos vários nomes no partido. O Eduardo Campos é um nome que está talhado para ser candidato, com meu apoio entusiasta se ele desejar. Nós temos gente que não é tão notória, mas são quadros de grande valor. Lembro aqui do (senador Renato) Casagrande, pelo Espírito Santo, do (deputado) Beto Albuquerque, do Rio Grande do Sul, e do Sérgio Rezende, nosso ministro da Ciência e Tecnologia.
Em princípio nada está descartado, não é? Inclusive, o PSB indicar o nome do candidato a vice em uma chapa mais ampla encabeçada pelo PT?
Veja, cada vez que a Imprensa me faz essa pergunta eu tenho a mania de responder com sinceridade. Aí eu faço uma grande preliminar. As pessoas (os jornalistas) desconsideram e metem o negócio lá. A preliminar é o seguinte, vou repetir na esperança que saia (publicado). Fulano ou beltrano só tem importância como peça de uma engrenagem, por mais relevante que seja essa peça, entendeu? Na política, o processo tem que ser coletivo. Quando me perguntam, eu respondo que vou cumprir o papel que a minha consciência, o meu coletivo, em primeiro lugar; o Partido Socialista Brasileiro, em segundo lugar; e o bloco de esquerda assinarem para mim. Aí você diz: ‘então você aceita ser vice’. E crava lá esquecendo o que falei. Mas não posso simplesmente responder: ‘Não, eu não quero’. Eu não quero ser vice, não pretendo ser vice, não tenho vontade de ser vice. Acho que nem sequer tenho perfil. Porém, vamos lá, numa situação dada é o que o País precisa. Eu já fiz outras coisas. Por exemplo, agora eu sou deputado federal sem querer...
Por que?
Porque não é minha vocação. Estou me sentindo muito mal, a despeito de ser muito bem tratado, de aprender muito, de estar adorando aquela experiência. Eu sou um cara que não me conformo em gastar tempo sem produzir nada. Não agüento isso. Aí eu vou para lá (para o plenário), quando vou.. Dou a presença. Fico lá uma hora, duas, três, quatro... Me levanto, saio. Me levanto, saio. Vou ler, vou ali no gabinete, distante dez léguas... Aí termina a sessão às dez horas da noite. Negócio de procrastinação, requerimento, retirada de pauta, você não acredita naquilo. Eu não tenho vocação para isso!O senhor tem vontade de voltar para o Executivo?
Eu tenho vontade de voltar para casa. Essa é a grande vontade, mas minha vocação não é essa.
A crise econômica mundial vai afetar o País até que ponto?
Não alimentemos ilusões! O capitalismo em si está longe de entrar em xeque, muito longe. Este momento denuncia uma perversão que, para o Brasil, já era clara. Eu tenho os números, já falo isso há dez anos, ninguém quer ouvir. Quer dizer, 11% dos brasileiros prestaram atenção. São números frios, gelados, independente das minhas alegrias ou paixões é assim. O Brasil levou 500 anos até a posse do Fernando Henrique para fazer uma dívida pública equivalente a 38% do PIB. Lembrando que o primeiro ministro do Planejamento era o senhor José Serra (PSDB), atual governador de São Paulo. Eles transformaram a dívida em 58% do PIB em oito anos. A carga tributária, que acompanhou esse galope da dívida, era 27%, quando eu era ministro da Fazenda, dia 1º de janeiro de 1995, quando Fernando Henrique tomou posse. Eles entregaram a carga tributária ao Lula com 35% do PIB, com o Serra ministro nos dois governos e pretenso candidato desse projeto. As pessoas fazem a lavagem cerebral, mas a minha memória é implacável. Vamos ao terceiro número: se privatizaram R$ 100 bilhões e o País foi ao colapso da infra-estrutura, a ponto de ter um apagão, de perder um terço dos mestres e doutores nas universidades, é o modelo! O Lula atenuou bastante. O Brasil passou a trabalhar com sobras. Um superávit, fizemos reservas cambias muito altas, ante a esculhambação dessa gente fazendo errado.
Em sua opinião, esse aumento da dívida pública durante o Governo FHC enfraquece José Serra no debate eleitoral que pode vir a acontecer, no caso de o governador de São Paulo se lançar na disputa presidencial?
Se a memória não for avivada e o debate não for qualificado, vai fortalecer. Ele pode perfeitamente - e o fará - se apresentar com o dedo apontando para os erros do Governo Lula, oferecendo-se para retomar o crescimento econômico do País.
Quem seria o candidato mais competitivo do PSDB, em sua opinião. Serra ou o governador de Minas Gerais, Aécio Neves?
Nem compare isso. O Aécio é muito mais brasileiro, nacional, tem espírito público, é humilde e mais popular do que o Serra. O Serra eu conheço bastante bem. O Serra é um cara sem fígado nem coração, que só tem apetite.
E a ministra Dilma Rousseff (PT), preferida do presidente Lula para sucedê-lo, teria esses mesmos defeitos?
A Dilma é uma pessoa extraordinária, uma pessoa de grande valor.
Seria o melhor quadro do PT para a corrida presidencial em 2010?
Posso dizer que ela tem todas as qualificações para qualquer missão na vida pública.
Mas ela não está adotando, ainda, um discurso político, que se assemelha à linha do PT...
Sim. Mas qual é o problema? E alguém mais do que o Lula tem o discurso que se identifique com o do PT?

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