domingo, 29 de novembro de 2009
Ele casou de noiva e parou uma cidade
Nos últimos 23 meses, 150 casais foram ao altar para celebrar a união civil no município de Saloá, Agreste do Estado. Mas nenhum casamento causou tanta polêmica e extrapolou os limites da cidade quanto o do ajudante de pedreiro José Ricardo Néris Rocha e a cabeleireira Paloma Lino Rocha, cujo nome na carteira de identidade é Rogério Lino da Silva. Com vestido branco de cauda longa, Paloma – como é chamado por todos, sem exceção – teve uma recepção completa: dama de honra, bolo de três andares, centenas de convidados, música ao vivo, bebida, comida e uma lua de mel, no último dia 21. “O comentário foi muito grande. Até agora, ainda estão falando. Tudo isso porque um homossexual nunca tinha se vestido de noiva”, diz Paloma.
Prestes a completar 26 anos, Paloma se surpreendeu com o pedido de casamento de José, 18. Após três relacionamentos frustrados, o último de quatro anos e seis meses, ficou inicialmente apreensiva. Mas viu na proposta do namorado a oportunidade de casar vestida de noiva. “Era meu sonho. Pensei e disse: ‘já que você quer, também quero. E aceitei’”, lembra. A festa passou então a ser o único pensamento do casal. Era preciso uma grande recepção para comemorar “aniversário e o enlace matrimonial”, como foi destacado nos convites impressos.
A recepção em Saloá não contou com o glamour que cercou o casamento dos arquitetos Zezinho e Turíbio Santos, um dos eventos mais badalados entre os aquinhoados do Recife, no início de setembro. Em vez do cenário da Coudelaria Souza Leão, na Várzea, Zona Oeste da capital, José e Paloma festejaram no Centro de Convivência de Idosos (CCI). No lugar do repertório de músicas clássicas executado por 20 músicos, a Banda Espora de Prata animou os cerca de 300 convidados, 500 pessoas a menos do que a festa dos arquitetos. Para beber: seis grades de cerveja, 12 litros de rum Montilla e sete litros de conhaque Dreher. Três seguranças foram pagos para evitar que a bebedeira terminasse em confusão.
“Foi tudo lindo, perfeito”, elogia, com uma ponta de inveja, a amiga Jéssica Gomes, Gerson no registro de nascimento. O casal mais falado de Saloá, de fato, não economizou. Para cobrir todas as despesas, os dois desembolsaram R$ 1 mil e pegaram mais R$ 700 emprestado. Só o aluguel do vestido foi R$ 400.
O casamento ocorreu no mesmo dia da visita do governador Eduardo Campos (PSB) ao município, com cerca de 15 mil habitantes, a 262 quilômetros do Recife. “Foi uma aglomeração de gente muito grande. Não sei se reuniu mais gente, mas concorreu com a passagem do governador”, compara o prefeito de Saloá, Gilvan Pereira (PSB), apoiando a união entre pessoas do mesmo sexo. “Hoje em dia isso está mais comum. Várias pessoas procedem dessa maneira”.
O NAMORO - Antes de concluir o curso de cabeleireiro profissional no Senac de Garanhuns (Agreste), Paloma ganhava a vida como transformista. As casas noturnas para esse tipo de shows quase inexistem no interior do Estado. Por isso, passou a se apresentar no Circo Halley, dublando a cantora Michelle Melo, ex-Banda Metade. “Aquela do baby-doll”, diz, referindo-se à música Topo do prazer, cuja letra descreve uma mulher se insinuando para um homem.
Natural de Águas Belas, José começou a trabalhar no circo durante a passagem pelo município vizinho de Iati. Fazia de um tudo: armar a lona, montar a arquibancada e, durante os espetáculos, trabalhava como segurança. Homem de poucas palavras, apenas concorda com tudo o que Paloma diz, sinalizando positivamente com a cabeça. “Foi amor à primeira vista”, garante ela, que se veste de mulher desde a adolescência. Em quatro meses, os dois se conheceram, namoraram e casaram.
Vivendo a primeira experiência com alguém do mesmo sexo, o ajudante de pedreiro quebra o silêncio apenas para reprovar a censura dos moradores de Saloá. “Falam demais da vida dos outros. Tem que acabar com esse preconceito”, reclama, mesmo assim econômico nas palavras. Os comentários sobre o casamento se espalharam rapidamente. Moradores de Garanhuns, Brejão e Caetés já ouviram falar da união.
O PADRE - A escolha de quem celebraria a cerimônia é um capítulo à parte na história de José e Paloma. Como todas as igrejas de Saloá – católicas e evangélicas – não aceitam o casamento gay, os dois recorreram a Luiz Gonzaga da Silva, muito conhecido em Caetés. Ele se diz padre da Igreja Ortodoxa Bielo-Russa. Mas, segundo os moradores, é casado e tem dois filhos. Na cidade, é conhecido por Lula padre. “Falam que ele faz todo tipo de casamento, de quem já foi casado e tudo”, revela Paloma.
Procurado pelo JC, Luiz Gonzaga disse que ficou surpreso ao saber que celebrava a cerimônia matrimonial entre dois homens. “Vou recorrer para anular o efeito do casamento. Eles mostraram o documento com nome de mulher”, justifica. Mas a carteira de identidade de Paloma registra o nome de nascimento. Lula padre também não quis informar quanto cobrou. “Eles deram apenas uma ajuda para a igreja”, diz, apesar de não haver templo da Igreja Ortodoxa na cidade. O casal afirma ter pago R$ 170.
A POLÊMICA - Saloá abriga uma comunidade evangélica numerosa, de várias congregações diferentes, o que tornou o primeiro casamento gay da cidade ainda mais polêmico. “Não temos nada a ver com a vida de ninguém. Mas não podemos aceitar essas coisas”, irrita-se o pastor Severino Manoel Lopes, da Assembleia de Deus. É raro encontrar quem aprove a união. O vendedor Eduardo César afirma não ser contra o relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo, mas reprova o uso do vestido de noiva.
Jorge Cavalcanti
De Cidades/ JC
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