segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Com alergia extrema, menino só pode tomar leite especial e comer carne de rã


Toda vez que João Vithor, de 4 anos de idade, come algum alimento proibido “a barriga fica grande, a bochecha fica inchada, o cabelo vai lá para cima e o olho fica desse tamanho”, descreve o próprio menino. Ele tem alergia quase completa a comida. Só pode consumir carne de rã e um tipo especial de leite que custa, cada lata, R$ 450.



O cardápio da irmã de João Vithor, Nicole, é ainda mais restrito. Para ela, nada de rã. Só leite. A prefeitura de Goiânia, onde mora a família dos dois, paga o tratamento. No entanto, a mãe dos garotos diz que às vezes a ajuda atrasa. “Quinze dias que falta o leite significam quinze dias em que eles vão passar fome”, diz Poliana da Cruz.

Para eles, é difícil entender que não são como as outras crianças. “Chegamos ao shopping, eu não posso ir nem na praça de alimentação com ele, porque ele vai sentir o cheiro da comida e vai ter vontade de comer”, lamenta o pai de João Vithor e Nicole, Roger Rios.

Francelene, de Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, também reclama da demora do governo. Ela diz que se endividou para manter o estoque de leite de Guilherme, o filho alérgico a comida. Preço: R$ 550 a lata. A saída foi recorrer a empréstimos com agiotas. Francelene quase perdeu a casa, e chegou a pedir dinheiro na rua.

Hoje, ela lembra de momentos difíceis que teve de enfrentar. “Ele doente, muito fraco na cama, eu chorando”, conta. “Ele acordou e falou: ‘mamãe, por que você está chorando? Mamãe, não chora, não. Não chora, porque eu vou levantar desta cama e vou ganhar o leite.’”

As alergias graves estão se tornando cada vez mais comuns, como mostra uma série especial da “BBC” que o Fantástico começou a exibir domingo passado. “Por volta de 30% da população mundial tem alergia. Acreditam até que até o final do século isso deve chegar a quase metade da população”, informa Fábio Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia.

Alergia é como uma batalha exagerada do organismo para expulsar um corpo estranho. Existem várias explicações, nenhuma definitiva. Os cientistas apostam numa combinação de genética com exposição a poluentes e outros produtos químicos da vida moderna.





Ilhas
A batalha contra a asma em duas ilhas ilustra a teoria. Em Barbados, no Caribe, os casos de asma aumentaram dez vezes nos últimos 20 anos. Hoje, atingem 20% da população. Para os médicos, trata-se de uma epidemia. "A explicação pode estar no processo acelerado de urbanização do país, com muito mais carros e poluição", diz a alergista Kathleen Barnes.

O fator hereditário da asma começou a ser desvendado em Tristão da Cunha, a ilha mais remota do planeta, no Atlântico Sul. Para chegar até lá, são necessários sete dias de viagem de barco. Pelo isolamento extremo, é um laboratório natural para estudos genéticos.

Na ilha, metade da população tem asma. Um índice sem igual no mundo. O motivo é genético: os cerca de 300 habitantes descendem de apenas sete famílias. O casamento entre parentes acabou espalhando o gene da asma.



Um cientista brasileiro foi o responsável pela investigação da linhagem dos moradores. Noé Zamel, da Universidade de Toronto, no Canadá, isolou o gene da asma, mas é cauteloso. "A descoberta não explica todo o problema da asma. É apenas uma peça do quebra-cabeça", destaca Zamel.

Há também uma hipótese evolutiva. Pesquisas mostraram que o anticorpo que dispara a maioria das alergias tinha uma função bem diferente nos primórdios da humanidade. O IGE servia como uma proteção contra parasitas que infestavam o homem há milhares de anos.

Em pouquíssimo tempo, na escala biológica, a urbanização, os remédios e os hábitos de higiene transformaram nossas vidas. Sem ter o que combater, o IGE voltou suas armas para invasores inofensivos, como a poeira, por exemplo.

Sensibilidade
Em Houston, nos EUA, um grupo de pessoas sofre de "sensibilidade química múltipla". Nancy Van Afflen, por exemplo, só dirige de luvas. "Sou alérgica ao vinil e ao poliéster", diz. Ela anda com uma máscara e cilindro de oxigênio e dentro de sua casa tudo esterilizado.

Para alguns médicos, a explicação para a "sensibilidade química múltipla" pode ser psicológica. Como Nancy, muitas pessoas acreditam que têm alergia, mas nem sempre isso é verdade. "Talvez apenas 1% ou 2% dos adultos sejam realmente alérgicos", afirma a psicóloga Rebecca Knibb.

A alergia também é confundida com intolerância. Alergia é uma resposta de defesa do corpo, geralmente imediata. Coceira, espirros ou falta de ar são alguns dos sintomas. Já a intolerância, de efeito mais lento, é a falta de enzimas, um tipo de proteína para digerir certos alimentos.

Alergia não tem cura, mas pode ser controlada. Guilherme, de Petrópolis, tem voltado a comer aos poucos. “Carne de peru, coelho, frango. Às vezes reage bem, às vezes reage mal”, comenta a mãe de Guilherme, Francelene da Silva.

Em Goiânia, Nicole e João Vithor ainda não tiveram essa sorte. “Ele mesmo fala que papai do céu está curando ele, e que ele logo vai ficar bom e vai comer de tudo”, diz a mãe dos meninos.

Enquanto isso, João Vithor planeja. “Vai ter leite de vaca, bolo no meu aniversário, quando eu sarar”, diz.


Do G1, em São Paulo

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