segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Nanci: as fantasias sexuais e a luta pela qualidade de vida das prostitutas
Nanci Feijó é coordenadora da Associação Pernambucana das Profissionais do Sexo (APPS), fundada em 2002 com o objetivo de dar qualidade de vida às prostitutas. Encontrei-a na Secretaria de Assistência Social, na Prefeitura do Recife. Inconscientemente – confesso que não pensei na comum associação entre prostituição e vida fácil – disse que ela era uma mulher difícil diante da dificuldade em marcar a entrevista. “É, meu filho, eu sou uma global”, respondeu com bom humor.
Sem vergonha de dizer em que trabalha, Nanci tem orgulho do que faz e vê na atuação na Associação um grande passo para acabar com a hipocrisia e a discriminação da sociedade. “A gente quer sair debaixo do tapete. Desde que eu nasci, existe prostituição, isso não é novo”, explica. E, mesmo tendo passado por situações complicadas na prostituição, não se arrepende de nada do que fez.
Filha de proprietários de um engenho de Escada, Zona da Mata de Pernambuco, começou a se prostituir por conta de uma desilusão amorosa. Foi de carona para Salvador (BA) e lá fez seu primeiro programa. “No começo, não foi por dinheiro; meus pais me sustentariam onde quer que eu estivesse”, conta. Sofreu um pouco no início, mas gostou do que fez e, após 10 anos, voltou para Pernambuco, onde vive até hoje.
Com dois filhos e um companheiro com quem não mora junto, Nanci, 51 anos, divide-se entre o trabalho na Assistência Social da Prefeitura, a coordenação da APPS e a vida de prostituta. O companheiro e os filhos entendem o trabalho e a respeitam. “Não quero que me beijem nem que me abracem; quero respeito. Isso eu exijo”, salienta. Consciente, sempre pensou no futuro. Por isso, há 20 anos contribui para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como cabeleireira, já que o Código Brasileiro de Ocupação (CBO) só foi instituído em 2002, quando a contribuição como profissional do sexo pôde ser feita desde então.
Com a prostituição, Nanci criou os dois filhos e hoje cada um tem sua casa própria, doada pela mãe. Apesar dessas conquistas, não considera que a vida como prostituta seja fácil, mas arriscada, "porque todos os dias você pode morrer quando sai para trabalhar". “Certa vez uma mulher me perguntou: Vocês fazem comida, lavam roupas? Pensam que a gente é uma boneca, que ‘tá’ lá vitrine. Eu sou como qualquer outra, tenho dor, choro, adoeço”, explica. No trabalho da rua, uma queixa frequente é a atuação da polícia. Muitas vezes, os policiais chegam, batem nelas e as colocam nas viaturas. Ainda hoje funciona dessa forma mesmo com todo o trabalho de esclarecimento e mesmo levando-se em conta que a prostituição não é crime no Brasil.
Quanto ao perfil dos clientes, a maioria é de baixa renda. O programa em média custa R$ 50. Sobre o que os homens querem ao procurar uma prostituta, Nanci afirma não ser simplesmente sexo. “Muitas vezes, a gente nem transa, às vezes eles querem conversar e a mulher de casa não tem essa preocupação. É a maior queixa deles”, completa. Sobre os clientes ricos, famosos, políticos, ela diz ter saído com vários, mas não revela o nome de nenhum, por ética profissional.
FANTASIAS SEXUAIS - Além disso, Nanci conta que possui autonomia em seu trabalho e que faz apenas o que deseja, referindo-se a uma antiga discussão com algumas feministas. Ela, que se considera prostituta e feminista, é enfática ao dizer que não vende o corpo, mas, sim, fantasias sexuais. “Se eu vendesse o corpo, em 35 anos de prostituta nem cabelo eu tinha”, responde ironicamente.
O trabalho da APPS trata dessa questão ao mostrar que as prostitutas não devem se submeter a qualquer coisa que os clientes quiserem. É importante lutar pela cidadania da categoria, pelo respeito a seus direitos, contra a violência, o preconceito e a discriminação. Mais que isso, a prevenção é o carro-chefe da entidade, que realiza diversas ações de orientação sexual. “Muitos homens chegam à noite e oferecem R$ 100, por exemplo, por um programa sem camisinha e elas têm que dizer Não”, explica.
Há oito anos como coordenadora da APPS, Nanci pensa em se desligar do cargo, mas sabe que a associação acabaria por não existir outra liderança forte em Pernambuco. Com o apoio da Prefeitura e especialmente do Ministério da Saúde, a associação tem como uma das metas se unir a projetos de cultura e educação, visto que só conta com parceiros na área da saúde.
E Nanci ainda alimenta o desejo de fundar uma grife de lingerie. “Toda a vida fui danada. Também vou realizar esse sonho”, garante.
Pacífico Neto*
Especial para o JC Online
* Estudante de Jornalismo da UFPE orientado pela professora Paula Reis
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